ContraLuz

É domingo de manhã, mas aqui Deus não descansa. Em frente à Catedral, nos degraus da megabiblioteca, o ícone da era Bukele, há uma nova mobilização contra a mineração. Isso vem ocorrendo desde o Natal, desde que o governo revogou a lei que proibia a atividade em 2017. Entre as organizações sociais, a Igreja Católica parece estar liderando o protesto. Sua demanda unificada responde à atual linha ambientalista e humanista do Vaticano. Mas também recolhe a luta histórica dos padres salvadorenhos em favor da vida. Igor Wagner e eu temos seguido os passos dessa Igreja e de um povo assolado pela violência.

Nas quase três semanas que passamos em El Salvador em dezembro de 2024, os governos autoritários, o conflito armado interno, os Acordos de Paz e as gangues pareciam jamais terem existido. E, ao mesmo tempo, estavam mais latentes do que nunca. Igor registra essas tensões que aparecem em murais e obras de arte atuais, bem como em arquivos visuais e físicos. Ele as descobre em ruas aleatórias e em locais-cenários, como a capela onde Monsenhor Romero foi assassinado.

Deus não descansa em El Salvador também revela esse passado que não passa em fotografias que não são de sua autoria. Ele as coloca em diálogo com a Igreja comprometida e a resistência popular que documentou, no país que, para o mundo, pareciam ter nascido com Bukele. A segurança e as grandes obras de infraestrutura em que nos encontramos, sem dúvida, conseguem essa impressão. Luzes de Natal onde antes havia escuridão e balas também.

Passaram-se 12 anos para que El Salvador encontrasse uma janela democrática com a assinatura da paz; seriam necessários mais 26 para que o Papa Francisco canonizasse Romero, uma das imagens que Igor inclui na série. Esse padre que denunciou os assassinatos de camponeses na missa dominical e clamou pela paz, hoje continua naqueles que defendem a vida diante das faces visíveis do autoritarismo.

A figura de Romero é uma reserva moral para os salvadorenhos. Há algo na lembrança dele e daquele período histórico – o antes e a própria guerra – que é bastante incômodo para o regime político. Toda vez que esse governo tenta deslocar ou retirar sua imagem, surge uma controvérsia – Bukele não tem escolha a não ser falar com a pintura por trás dele. O trabalho de Igor Wagner explora esse desconforto, mostrando o refúgio popular que é San Romero. Em nossas horas na estrada para lagos vulcânicos e plantações de café, pensamos sobre a vigência deste santo dos pobres, da verdade e da paz. Quisemos uma reportagem sobre essas terras, em todos os tempos.

Nota completa da reportagem: Dios no Descansa en El Salvador

Publicado por Panamá Revista, dia 24 de fevereiro de 2025



Sobre:

Constanza Cetraro é licenciada em Ciência Política (Universidad de Buenos Aires) e pesquisa a América Latina. Logo mais irá a Asia.

Jornalista. Antes de tudo, viajante. É argentina-brasileira.

Instagram: @conicetraro

X: @CoCetraro

Igor Wagner é um fotógrafo documental argentino. Passou a se interessar pela fotografia durante uma viagem à Índia e Nepal onde se apaixonou pelo registro documental. Começou com seus estudos em fotojornalismo na Asociación de Reporteros Gráficos de Argentina da qual é membro.
Investiga sobre o papel das imagens na imprensa como construção de memória e a inteligência artificial na produção de imagens e das fake news.
Viajante apaixonado, se interessa por conhecer comunidades desde a empatia e a aproximação que só a fotografia analógica permite.

Instagram: @phwagner1

X: @igorwagnerr

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